On quinta-feira, 12 de agosto de 2010



Após uma pequena sequência de troca de e-mails entre amigos da UFES sobre a tolerância religioso, a "conspiração" dos Illuminatis contra tudo e todos, e algumas conclusões de alguns colegas para lá de cristãs-alucinógenas (uma mistura dos dois juntos), eis que um de nossos amigos nos envia um texto clássico de Voltaire sobre o assunto que gostaria de compartilhar aqui. Gostaria de esclarecer que não compartilho de tudo o que diz o autor, principalmente quando caracteriza os judeus da antiguidade como os "mais intolerantes do mundo".



Que é a tolerância?
É o apanágio da humanidade. Estamos todos empedernidos de debilidades e erros; perdoemo-nos reciprocamente nossas tolices, é a primeira lei da natureza.


Que na bolsa de Amsterdã, de Londres, de Surata ou de Bassorá, os guebros, os banianos, os judeus, os mafomistas, os deícolas chins, os brâmanes, os cristãos gregos, os cristãos romanos, os cristãos protestantes, os cristãos quakers façam suas traficâncias juntos: eles não brigarão de punhal. Por que motivo, pois, nos esganamos quase sem interrupção desde o primeiro concílio de Nicéia?
 

Constantino começou por baixar um édito que permitia todas as religiões; terminou por perseguir. Antes dele os cristãos apenas eram perseguidos quando começavam a ter alguma força dentro do estado. Os romanos permitiam todos os cultos, até o dos judeus, até o dos egípcios, pelos quais tinham tanto desprezo. Por que tolerava Roma esses cultos? É que nem os egípcios nem mesmo os judeus procuravam exterminar a antiga religião do império, não perdendo tempo em revolver terras e mares para angariar prosélitos: o que queriam era ganhar dinheiro; é porém incontestável que os cristãos desejavam que sua religião fosse a dominante. Os judeus não queriam que a estátua de Júpiter estivesse em Jerusalém; mas os cristãos não admitiam que estivesse no Capitólio. Sto. Tomás tem a boa fé de convir em que, se os cristãos não destronavam os imperadores, é que o não podiam fazer. Sua opinião era que toda a terra devia ser cristã. Eram portanto inimigos de toda a terra, até que esta se convertesse.




Havia entre eles inimigos uns dos outros em todos os pontos de sua controvérsia. Antes de mais nada é preciso considerar Jesus Cristo como Deus, os que o negam são anatematizados sob o nome de ebionitas, que anatematizam os adoradores de Jesus.


Alguns deles desejam que todos os bens sejam comuns, como pretendem que o tenham sido no tempo dos apóstolos: seus adversários os chamam nicolaitas, acusando-os dos crimes mais infames. Outros, tendentes a uma devoção mística, são chamados gnósticos e perseguidos com furor. Marcião é tratado de idólatra por disputar sobre a Trindade.


Tertuliano, Praxedes, Orígenes, Novato, Novaciano, Sabélio, Donato, são todos perseguidos por seus irmãos antes de Constantino; e apenas Constantino fez reinar a religião cristã; os atanasianos e eusebianos se separaram; e desde então a igreja cristã foi inundada de sangue até hoje.


O povo judeu era, reconheço, um povo bastante bárbaro. Degolavam sem piedade todos os habitantes de um desgraçado e pequeno país sobre o qual não tinham mais direito do que sobre Paris e Londres. Entretanto, quando Naamã é curado de sua lepra por se haver banhado sete vezes no Jordão; quando, para testemunhar sua gratidão a Eliseu, que lhe ensinou esse segredo, conta-lhe que adorava o Deus dos judeus por reconhecimento, reserva-se a liberdade de adorar também o Deus de seu rei; pede licença a Eliseu, e o profeta não hesita em conceder-lha. Os judeus adoravam o seu Deus; mas nunca se admiraram de que cada povo tivesse o seu. Achavam muito natural que Camoes concedesse um certo distrito aos moabitas, contanto que o seu Deus também lhes desse um. Jacó não hesitou em desposar as filhas de um idólatra. Labão tinha seu Deus assim como Jacó tinha o seu. Eis belos exemplos de tolerância entre o povo mais intolerante e cruel de toda a antigüidade: nós o imitamos em seus furores absurdos, e não em sua indulgência.


É claro que todo indivíduo que persegue um homem, seu irmão, porque não é da sua mesma opinião, é um monstro. Isto está fora de dúvidas. Mas o governo, mas os magistrados, mas os príncipes, como deverão proceder para com indivíduos que têm um culto diferente do seu? Se forem estrangeiros poderosos, é claro que um príncipe fará aliança com eles. Francisco I., muito cristão, unir-se-á aos muçulmanos contra Carlos V, muito cristão. Francisco I dará dinheiro aos luteranos da Alemanha para sustentá-los em sua revolta contra o imperador; mas principiará, segundo o costume, por fazer queimar alguns luteranos em sua própria casa. Paga-os em Saxe por política; por política queima-os em Paris.


Mas que acontecerá? As perseguições criam prosélitos; em breve a França estará repleta de novos protestantes. A princípio deixar-se-ão enforcar, em seguida começarão também a enforcar. Haverá guerras civis, em seguida o S. Bartolomeu e esse recanto do mundo será pior que tudo o que antigos e modernos já disseram do inferno.


Insensatos, que jamais soubestes render um culto puro ao Deus que vos criou! Desgraçados, que o exemplo dos noaquidas, dos letrados chineses, dos parsis e de todos os sábios jamais pode edificar! Monstros, que necessitais de superstições corno o urubu de carniça! Já se vos disse, e não temos outra coisa que dizer-vos: se tiverdes duas religiões, elas se trucidarão; se tiverdes trinta, viverão em paz. Vede ó grão-turco: governa guebros, banianos, cristãos gregos, nestorianos, romanos. O primeiro que experimentar provocar um tumulto é empalado, e todos permanecem em santíssima paz.

Camisas Vero

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